Ser original ao adotar um Plano B
Quando cada um de nós começa a se desenvolver, ainda como crianças, somos dotados de uma curiosidade quase infinita e um senso de criatividade praticamente sem limites. Provavelmente todo mundo possui uma história sobre uma fala ou atitude engraçada durante os primeiros anos de vida. Eu, por exemplo, usei utensílios domésticos como xingamentos. Uma vez, ao ser repreendido por minha mãe, talvez com 2 ou 3 anos, não hesitei em respondê-la aos gritos: “Garfo, faca, colher, colher da Tramontina!”. Hoje, 30 anos depois do acontecimento, ele ainda é lembrado às gargalhadas em reuniões de família por tios e minha própria mãe, a quem ouço repetir a história pelo menos uma vez por ano.
Não é muito diferente quando começamos a jogar card games. Olhamos todas aquelas cartas disponíveis e em nossas coleções e rapidamente criamos uma história com algumas delas. No Runeterra, lembro de como montei meu primeiro deck baseado em Shark Charriot e achava incrível ter 2, 3 tubarões voltando à mesa para atacar.
Poucos meses depois, no entanto, ao adquirirmos experiência, passamos a aceitar algumas “posições comuns” da comunidade e de especialistas: "carta x é ruim", "carta y não presta no formato", "campeão z está morto e a Riot precisa bufá-lo". É aquele momento em que nos despedimos do Shark Charriot que nos levou do Ferro IV até o Prata II. E tal qual uma criança que cresce, deixamos o brinquedo "simples" de lado e partimos para brinquedos mais novos, condizentes com nossa idade… E idênticos aos brinquedos de todas as outras crianças da nossa idade.
Para quem não entendeu a metáfora, explico de forma mais direta e completamente ligada aos card games: Nós temos uma tendência a seguir arquétipos lineares e paramos de inovar ao adquirir mais experiência no jogo. Afinal de contas, seguir um arquétipo significa possuir uma estratégia clara e poderosa, cuja o origem está ligada inclusive ao design da Riot. Usamos isso como um selo de qualidade e, infelizmente, uma muleta.
Digo isso pois seguir arquétipos pode ser quase que uma ação deliberadamente ruim a se realizar. Usar uma lista “do meta”, publicada no site do Swim, significa que, apesar de poder ter bons resultados, você terá pouquíssima chance de destaque dentro do bolo. Afinal de contas, se você joga com o mesmo baralho que todo mundo, você precisa ser necessariamente melhor que todo mundo para se sobressair. Além disso, usar uma lista conhecida significa que basicamente todos sabem como te vencer, quais cartas jogar em torno e como se comportar no matchup. Resumindo: sem um plano b inesperado, você será um jogador fácil de se jogar contra.
Praticamente todo jogador no topo do ranking mestre consegue recitar todas as cartas do deck Kinkou Elusives de cór. Será mesmo possível conseguir bons resultados num ambiente em que todo mundo conhece absolutamente TODAS as suas jogadas possíveis?
Você pode argumentar que os arquétipos tendem a ser poderosos e as sinergias são claras. Mas hoje não basta ter cartas boas para ter um bom resultado numa competição de alto nível (se é isso que almeja). Temos a cada dia mais pessoas escrevendo sobre o jogo, melhores artigos sendo publicados, discussões mais profundas sobre estratégia e existem mais jogadores desenvolvendo novos decks. Praticamente todas as ideias possíveis são testadas em algum momento do meta e a disseminação de informação faz com que atualizações até nas listas mais atípicas sejam espalhadas rapidamente, chegando mesmo até pessoas que não jogam com muita frequência.
Levando tudo isso em consideração, você quer ser o(a) jogador(a) que não força o oponente a quebrar a cabeça? Eu quero que meu oponente tome decisões difíceis, desde a escolha inicial de cartas até como tentar efetuar o controle da mesa, passando por todos os outros aspectos relacionados ao jogo. E é aí, ao fazê-lo tomar decisões erradas, que eu quero ganhar uma vantagem na partida.
O termo “deck control" normalmente significa um arquétipo com várias respostas. Mas na realidade, há mais de uma maneira de controlar o jogo. Ao pressionar seus oponentes (ou criar a ilusão de pressão), você os está forçando a reagir de uma certa maneira, e espero que isso seja algo que você possa aproveitar. Eu já cansei de jogar com decks de Corina Veraza que venceram antes que eu pudesse colocar qualquer unidade épica de 9 manas na mesa. Em muitos casos, as aranhas presentes na lista criam um “cenário de aggro” dificilmente esperado por alguém que pensa apenas no “Plano A” do deck: Ledros e a carta que dá nome ao baralho.
Você pode usar Deter / Detain quando todos os oponentes que te veem jogando com bannerman esperam por Julgamento / Judgment. Você poderia montar um Elise / Draven midrange quando todos os seus oponentes esperam por um deck aggro (e mantém na mão inicial cartas boas contra esse tipo de deck). Às vezes pode parecer fácil subir a fila ranqueada usando o “melhor deck” do meta segundo a lista de um streamer famoso. Mas em alguns momentos você pode usar o fator surpresa aliado à boas jogadas, com o bônus de ainda poder tornar-se o(a) criador(a) do novo melhor deck do meta.
O que quero dizer é que atacar o oponente por diferentes caminhos pode parecer prejudicar o seu plano A, e isso é verdade até certo ponto. No entanto, seu plano principal nunca é o que você deveria querer fazer em todas as partidas. Você precisa ter um plano de contingência. Como vimos em “Quem é o Beatdown em Legends of Runeterra?” na semana passada, os papéis mudam durante as partidas e os melhores decks costumam girar com fluidez entre a posição de controle e beatdown.
Quando a fila ranqueada abrir nesta quarta-feira (29), às 14:00, aproveite o conselho de não gastar fragmentos num meta ainda muito aberto e volte a ser criança por uma semana no Legends of Runeterra: inove, crie combinações inesperadas, desenhe planos de contingência para os seus decks e use baralhos que obriguem o seu oponente pensar em vez de apenas reagir automaticamente às cartas que você joga. Caso semana que vem você perceba que isso não é pra ti, mas se divertiu ao ver o oponente reagir com uma Jinx assustada ao jogar uma carta inesperada, pode ter valido a pena, não?
Muito obrigado pelo suporte e até semana que vem! (ou a próxima stream!)
[Artigo originalmente publicado 28/04/2020 para os assinantes do canal ViktorKavBR na Twitch]