Card games, mercado e o LoR nisso tudo

Nosso querido joguinho de cartinhas, Legends of Runeterra, ainda é uma criança recém-nascida se comparada com outros e-sports presentes no cenário global. Dito isso, gostaria de dividir alguns insights percebidos durante esses meses olhando para o jogo e como ele está sendo tratado pela desenvolvedora, comparando-o com outros jogos também da Riot e títulos de outras companhias, sejam card games ou não.

Especificamente nesta semana nós não iremos falar sobre o que deve aparecer no meta da atualização 1.5 ou sobre como agora é o momento para encaixar aquele deck de Noxus na fila ranqueada e tentar subir o mais alto possível antes da atualização 1.6. Também não teremos análises profundas de decks… Em vez disso, teremos uma análise sobre o jogo, sobre a comunidade, sobre o mercado e o futuro.

Em breve história dos card games...

Desde 1993, quando Magic: The Gathering foi lançado, diversos outros card games chegaram ao mercado, alguns baseados em propriedades intelectuais já existentes como Pokémon e Star Wars e Yu-Gi-Oh!. No entanto, nenhum dos títulos, nem mesmo o MtG, havia conseguido se tornar tão popular no meio digital quanto Hearthstone.

A força da Blizzard, aliada à rica história do universo de Warcraft e uma capacidade de desenvolvimento de software que as empresas que até então focavam seus esforços nos jogos de papel não tinham arrebatou fãs e conquistou mais de 50 milhões de jogadores, conquistando uma receita de mais de 200 milhões de dólares durante o ano de 2015, segundo pesquisas de mercado realizadas pela Superdata no período.

A firma de análises também fez uma previsão na época: o mercado de card games digitais movimentaria 1.4 bilhões de dólares em 2017. E se HS “só” faturava 200 milhões, haviam 1.2 bilhões de dólares esperando um dono. É óbvio que toda desenvolvedora viu o nicho de card games como uma oportunidade de encaixar o seu próximo grande sucesso comercial e fez a sua tentativa.

The Elder Scrolls Legends, que teve o seu recentemente desenvolvimento interrompido após apenas 2 anos de vida, foi anunciado durante a E3 de 2015. Gwent, o card game baseado no universo do jogo The Witcher (e presente em The Witcher 3) foi anunciado durante a E3 de 2016. Já Shadowverse, jogo bastante popular no mercado japonês foi lançado para dispositivos móveis no oriente também em 2016. Ou seja, no final dos anos 2010 toda empresa de games queria sua fatia no mercado de cartinhas digitais.

Em 2017, durante o evento The International, torneio mundial do MOBA DotA 2, a Valve, empresa responsável pelo desenvolvimento do jogo (e dona da plataforma Steam) provavelmente chegou um pouco tarde à festa dos card games. O teaser trailer de lançamento do jogo gerou vaias como reação do público. Estaria acabando o amor do público pelo gênero? Será que todo mundo cansou de jogar cartinhas em tabuleiros digitais?

A chegada de Magic: The Gathering Arena ao rolê

Não se enganem, jogos digitais que adaptaram MtG para computadores já existem há bastante tempo. “Shandalar”, como é conhecido o por muitos o primeiro “port” do MTG para eletrônicos foi lançado em 1997. Magic: The Gathering Online, o “simulador definitivo” de MtG, que até hoje possui uma economia semi-lastreada no valor das cartas reais surgiu em 2002. No entanto, problemas de design, formato de monetização e o desenvolvimento mambembe sempre impediram o popular card game à ganhar o gosto do público no meio eletrônico. Em 2018, o Arena finalmente mudaria isso de uma forma muito simples: lançando um Hearthstone com as regras de Magic.

Quando o Arena pôde, enfim, ser visto pelo público pela primeira vez, era clara a inspiração da equipe da Wizards of the Coast no popular jogo da Blizzard. Menus, sistemas, economia, tudo era muito próximo do card game ambientado no universo de World of Warcraft. Se os criadores de HS haviam se inspirado em Magic durante a criação do jogo, agora era hora do caminho inverso ser feito.

Apesar do jogo ainda não ter completado sequer um ano desde o seu lançamento oficial, já figura como um dos principais produtos da Wizards, principalmente em virtude do isolamento social necessário na luta contra a pandemia causada pelo Coronavírus em 2020. Este ano, inclusive, uma parte significativa do circuito profissional do jogo, paralisado pelo cancelamento de eventos, foi realizada de forma completamente digital, utilizando o jogo digital.

A Riot Games na contramão do mercado.

Eis que chegamos ao final de 2019 e, em meio a reduções na base de jogadores em outros card games, cancelamentos de títulos, a Rito decide, durante a sua celebração de 10 anos do League of Legends, anunciar o Legends of Runeterra.

Durante o vídeo de anúncio, alguns pontos foram levantados em que a desenvolvedora tentou deixar claro que o jogo seguiria “o seu modo” de fazer jogos. O foco no jogador, que deve ser levado como mantra por cada funcionário da empresa, os fazia apresentar um novo modelo de monetização focado quase que completamente em itens cosméticos em detrimento da compra de pacotes de cartas abertas às cegas. “Se funcionou no LoL, deve funcionar aqui também”.

Hoje, passados 3 meses desde o lançamento oficial do título, vemos os primeiros sinais que deixam clara a filosofia de design da equipe de desenvolvimento e começamos a ter vislumbres de seus planos para o futuro do joguinho. Lembrando que Yip pontuou na entrevista ao Twin Sunz que os objetivos da equipe para o LoR são “grandes e ambiciosos”.

Eu não possuo dúvidas de que as decisões da Riot Games são baseadas em análises, pesquisas e estudos e, embora as empresas possam eventualmente errar e exemplos diários estejam aí pra provar, o ecossistema do universo de League of Legends retroalimenta fãs com interesse, novidades e interações que ultrapassam a barreira dos jogos. Não esqueçam que, assim como Yu-Gi-Oh!, Legends of Runeterra terá Arcane, sua própria animação sendo lançada em 2021.

Mas o jogo ainda está em beta!

Algo que é bastante discutido dentro da comunidade é se o Legends of Runeterra precisou ser acelerado internamente em seu calendário de lançamento. O jogo, embora já contasse com as principais definições de design prontas, ainda passou por mudanças no gameplay durante o beta e pós-lançamento que não se restringiram ao balanceamento de cartas: o limite de unidades na mesa e de onde a habilidade de pilhar compra cartas são exemplos destas modificações.

Não acredito que aquelas serão as últimas mudanças no gameplay do jogo que veremos este ano. É bem possível, inclusive, que tenhamos mudanças no funcionamento de algumas palavras-chave. Durante as notas da atualização 1.5, a Riot deixou claro que considera “elusivo” a palavra-chave mais forte do jogo. Não à toa, o deck de Ionia e Freljord baseada nessa palavra chave já atravessou nerfs de forma incólume e continua a figurar entre os principais do meta desde que o jogo esteve disponível ao grande público. Será que a desenvolvedora em algum momento irá cansar de nerfar unidades individualmente e reduzirá o poder da habilidade como um todo no futuro?

O fato é que Runeterra ainda precisa de funcionalidades em seu cliente, modos e horas de desenvolvimento até tornar-se o jogo “perfeito” que muitos esperam. Felizmente, o que temos até agora já é muito bom e confiamos na equipe que vem trabalhando e construindo tudo nos últimos anos.

Anos? Sim… Durante uma entrevista concedida pelo game designer Andrew Yip ao podcast The Twin Sunz na última semana, tomamos ciência que já havia uma equipe interna na Riot Games dedicada ao LoR há pelo 5 anos.

Entendendo a matriz BCG da Riot Games pra olhar pro futuro… Pera, o que?

Dentro do Marketing existe um conceito chamado de matriz BCG. Nela, um produto é definido de acordo com o potencial de crescimento do mercado e a participação relativa que esse produto tem naquele setor.

Se o produto gera poucos recursos e não há crescimento esperado no mercado em que ele se insere, ele é considerado um “Abacaxi”;

Se o produto gera poucos recursos AINDA mas tem uma perspectiva de crescimento no futuro, ele enquadra-se como uma “Oportunidade”. O jogo de FPS VALORANT é enxergado pelo mercado como esse tipo de produto.

“Estrelas” são os produtos que são muito atrativos, geram muitos recursos mas que ainda exigem investimentos significativos, uma vez que seus mercados continuam em crescimento.

Já as “Vacas Leiteiras” são os produtos que geram muitos recursos sem a necessidades de grandes investimentos uma vez que seu mercado não cresce mais. Normalmente os recursos gerados por esse produto são utilizados para a criação de novos produtos dentro da empresa.

Eu não tenho dúvidas de que a Riot Games investe a cada ano muito mais dinheiro no League of Legends do que o custo do desenvolvimento inteiro de muitos jogos AAA lançados normalmente no mercado de games, seja para PC ou Consoles. Sendo assim, embora os recursos do LoL provavelmente sejam empregados no desenvolvimento de outros produtos, é difícil estabelecê-lo unicamente como uma Vaca Leiteira, uma vez que o mercado continua crescendo, principalmente quando você sai da categoria “MOBA” e olha pro League of Legends como um produto da categoria “esport”.

TFT e Legends of Runeterra, no entanto, são grandes interrogações dentro do catálogo da Rito. Enquanto o primeiro foi desenvolvido e lançado completamente às pressas aproveitando uma categoria nova de jogos (auto-battlers) que tornou-se imensamente popular do dia pra noite, o segundo está em desenvolvimento há anos. Tanto tempo que é possível que LoR estivesse sendo discutido internamente mesmo antes do anúncio de Hearthstone e isso aconteceu em 2013.

E os esports?

Se olharmos de um ponto de vista competitivo, talvez a principal crítica sobre como o jogo está sendo levado pela desenvolvedora seja na realidade direcionada à falta de iniciativas próprias de tratar o LoR como um e-sport, principalmente depois de anúncios como TFT Galaxies e a Série Ignition do VALORANT. No entanto, essa é uma meia verdade.

Concordo que o Twitch Rivals realizado em 14 de maio e que contou com a participação do brasileiro Capitão Serket foi muito mais uma iniciativa de promoção e marketing do jogo dentro da comunidade do que uma disputa competitiva que buscava encontrar o melhor jogador da região. No entanto, a Riot Games Korea já realiza há alguns meses eventos periódicos que buscam fomentar o cenário competitivo: The King of Runeterra e o recente Deck Masters foram alguns destes torneios. Os formatos, modelos, erros e acertos da Riot coreana estão sendo estudados no ocidente por iniciativas competitivas da comunidade e provavelmente estão sendo compartilhados em outros escritórios ao redor do mundo.

É evidente que limitações existem pela falta de funcionalidades específicas para torneios dentro do software, sejam eles realizados pela comunidade ou pela própria Riot. No entanto, diversas iniciativas superam as dificuldades desenvolvem o cenário competitivo ainda assim. Se esse cenário já está vivo e efervescente crescendo de forma natural e sem o envolvimento da Riot (exceto pelo ótimo jogo), as previsões para o futuro não poderiam ser melhores.

Muito obrigado pelo suporte e até semana que vem! (ou a próxima stream!)

Vic

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Esse conteúdo faz parte de uma série de artigos que publico semanalmente e são enviados com exclusividade para os assinantes (subs) do meu canal na Twitch.

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